Poesia e Jornal
Poesia nos melhora como pessoas. Poesia é difícil de ser encontrada a toda a hora na escola. Poesia combina com leitura de jornal. Até porque há poetas que escrevem em jornais. Por que, então, não se aproveitar o momento em que se faz um trabalho pedagógico com a presença de veículos noticiosos na escola e se fazer leitura de poesia, em acréscimo (Ah, que maravilhoso acréscimo!!) ao que já pretendemos desenvolver junto a nossos alunos???
Uma poesia como a que o Prosa e Verso do último dia 7 de março publicou, dá gosto de se ler e se discutir em sala. A poesia "HÁ UMA CERTA HORA" é de Affonso Romano de Sant'Anna, grande poeta brasileiro e trata, inclusive, explicitamente, das notícias de jornal... Vamos a ela:
Há uma certa hora
Há uma certa hora em que a casa é um navio prestes a desatar-se do cais da noite para o mar do dia.
É que amanhece. E as paredes e objetos do quarto, os quadros,cadeiras e cortinas (paradas embora) parecem ondear na enseada da sala.
Os corpos e lençóis se movem como velas num lento ritual e as pálpebras e os músculos retomam a memória ancorada na véspera.
Há uma certa hora em que o dia iniciado ainda não se inaugurou. Tudo é possibilidade. As notícias ainda não o mutilaram. Tudo é um silêncio promissor.
É hora de entre espelhos, cremes e quimeras escolher a roupa com que vestir a manhã, hora de recolher o afeto enrodilhado do cão na cama ou na poltrona, abrir o jornal e ver o sangue da véspera e a esperança nas entrelinhas das colunas que sustentam as perplexidades de mais um dia.
Não se foi (ainda) ao escritório,ao mercado, ao banco, à escola. O dia é um veículo estacionado na garagem ou na esquina.O terrorista não pôs (ainda) em marcha a sua sanha, o traficante não repassou a droga, e engatilhada repousa (ainda) a bala perdida. A engrenagem da bolsa- do pânico à euforia - (ainda) não nos triturou.
O dia é um alvo à espera do atirador. Ainda não se teve a tonteira, o enfarto, o contrato não foi rompido, nada sabemos daquele telefonema, do recém-nascido, do atropelado, da mulher que agora beija o marido mas às quatro da tarde - feliz - gozará com o amante em completa doação.
Há uma hora em que o dia ainda não se inaugurou: momento absoluto que antecede tudo.
De repente, a engrenagem se movimenta e os barcos se lançam ao mar, desfaz-se a calmaria.
Só há duas alternativas:- naufrágio ou travessia.
Poema do livro "Vestigios" (Ed. Rocco), a ser lançado na Bienal Internacional do Livro do Rio.
Prof. Solange da Cruz Battirola
http://solbatt.blogspot.com/
sábado, 13 de março de 2010
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